terça-feira, 10 de julho de 2012

"O Menino da Porteira" e coloquialismo

Ando estudando um tanto sobre música e, sem sombra de dúvida, dentro do cancioneiro popular de nosso país, posso afirmar que "O Menino da Porteira" é um clássico, talvez, a nossa música de raiz mais conhecida e tocada. Já foi gravada por grande número de duplas sertanejas e cantores, como Tonico e Tinoco, Sérgio Reis ou, mais recentemente, pelo cantor Daniel (existindo, que eu saiba, dois filmes criados a partir da música). Porém, gostaria de dar crédito a seus compositores: Luizinho e Teddy Vieira (já falecidos). Pelo que pude descobrir, a primeira gravação foi feita por um de seus autores, que pertencia à dupla Luizinho e Limeira.


Quem não conhecer, ou não se lembrar da música, posto aí embaixo uma gravação da Cultura, lá pelos idos  de 1980, com a dupla Luizinho e Limeira.


Porém, o assunto aqui é outro. Esta música, em minha opinião, contém algumas curiosidades como trechos em discurso direito, o que é incomum em letra de música. Explico melhor. Dificilmente coloca-se a fala da personagem diretamente numa letra de música, porém, neste caso, por se tratar literalmente de uma narrativa, uma história do interior sendo contada ao ouvinte, os autores assim o fizeram. Vejamos, por exemplo, como o próprio menino se expressa na gravação original:

"Toque o berrante, seu moço, que é pra mim ficar ouvindo".

ou

"Obrigado, boiadeiro, que Deus vai lhe acompanhando".

Ou mesmo adiante na música, quando a mãe do menino fala:

"Boiadeiro, veio tarde, veja a cruz no estradão / Quem matou o meu filhinho foi um boi sem coração".

Se o leitor tiver curiosidade em ouvir alguma das gravações mais recentes, as duas falas do menino foram corrigidas quanto a sua linguagem popular.

"Toque o berrante seu moço, que é pra eu ficar ouvindo".

ou

"Obrigado, boiadeiro, que Deus lhe acompanhando".

Coloco aí embaixo a gravação com o Sérgio Reis, mas poderia ser outra, como a do Daniel, por exemplo, e, novamente, a modificação pode ser observada.


Não quero aqui neste momento me estender sobre aspectos da gramática normativa, até porque as duas alterações efetuadas dão maior apuro à letra, porém, pergunto: seria esta mesmo a fala de um menino do interior, no meio de uma fazenda, ainda mais lá na década de 50?

Os autores, no original, ao escreverem a música, captaram todo o ar interiorano, seus aspectos mais puros, assim como Guimarães Rosa ou Graciliano Ramos, por exemplo, introduzem elementos de coloquialismo no discurso direto das personasgens. Óbvio que, na narrativa, ao serem descritas as situações, procura-se manter o apuro da língua, porém, o mesmo não se faz necessário quando dentro do discurso direto, ou seja, da transcrição direta da fala da personagem, principalmente das camadas mais populares.

Deixo ao leitor a escolha de qual seria a melhor forma de se cantar esta música: com a fala típica do menino interiorano ou do português da norma culta (o politicamente correto). E, para quem não conhece, posto aí embaixo a foto do monumento erguido em Ouro Fino (MG) em homenagem a "O Menino da Porteira".